CARACAS - VENEZUELA - La señora de los dulces

LA SEÑORA DE LOS DULCES

Caracas - Venezuela
A noite estava quente e muito abafada quando desembarcamos no ermo centro de Caracas carregando, além de um quatro* (violão típico venezuelano), pesadas mochilas com roupas, passaportes e dinheiro.
Nós, um colega austríaco e eu, voltávamos das cidades de Barquisimeto e Yaritagua*, onde visitamos comunidades carentes com experiências de auto-gestão*.
Caracas estava desértica e escura e não sabíamos como chegar ao terminal onde pegaríamos mais um ônibus até San Antonio de los Altos.
Era muito tarde da noite num lugar estranho. Para quem eu poderia perguntar o caminho?
A escolha natural foi uma senhora idosa, aparentemente idônea, que estava vendendo doces em um carrinho: “–Buenas noches. ¿Señora, por favor, como hacemos para llegar a la terminal de bus?”
Ela ouviu a pergunta e, sem olhar no meu rosto, respondeu cabisbaixa apontando para uma escada que descia para uma passagem subterrânea: “–Hay que bajar el túnel y cruzar para el otro lado de la avenida...”.
Tunel de pedestre no centro de Caracas
Sem pensar muito, agradeci e imediatamente descemos na direção indicada, caminhando até o fim da passagem, quando de repente dois homens nos atacaram de surpresa enfiando garrafas quebradas em nossos pescoços – era um assalto!
Nesta noite, realmente descobri o que a “adrenalina em ação” é capaz de fazer. 
Minha reação foi absolutamente irracional, fiquei cega e fiz tudo sem pensar: comecei a gritar feito louca, empurrei o menino e subi a escadaria gritando “–Socorro, Socorro”. Havia pessoas lá fora mas ninguém desceu para me ajudar.
Numa reação automática e bombástica, voltei e desci as escadas berrando e... bati neles com a minha mochila e com o quatro, que rachou. Os dois ficaram assustados, largaram o austríaco..., e correram levando a minha mochila, que deixei cair. 
E eu, ao invés de parar, continuei gritando e correndo atrás deles!
Felizmente, quando subi as escadas, minha mochila estava ali num canto no chão. Eles não tiveram coragem de encarar a doida brasileira e largaram a mochila para trás! Pura sorte.
Depois deste susto, tremi por horas, meu corpo ficou todo dolorido e o meu pé, torcido e inchado, doeu por um ano. Graças a Deus, terminou tudo bem.
Caracas - Venezuela
O meu colega austríaco, sempre frio, somente neste momento se mostrou penalizado, fez um curativo em meu pé e me agradeceu por tê-lo salvo.
Em nossa viagem de 6 horas de Barquisimeto a Caracas, conversando com a ajuda de 3 dicionários (alemão, inglês e espanhol) pois ele não falava bem inglês e eu não falo alemão, a conversa do austríaco focava em temas difíceis.
Ele estava indignado com o absurdo de ter encontrado pessoas “felizes” dentro de uma favela em extrema pobreza, e que, mesmo nesta situação..., tocavam, cantavam, dançavam e eram alegres!
Barrios en Caracas - Venezuela
Ele também estava me criticando por ter me divertido com mis “chéveres hermanos venezolanos”. 
Eu ria muito de suas gírias, enquanto fazia as traduções das reuniões, o que deixou o austríaco horrorizado. 
Ele me disse que se a Áustria estivesse nesta situação de pobreza, todos os austríacos já teriam se suicidado e que essa alegria sem noção era o motivo de eles estarem na pobreza.
Para piorar, quando o ônibus chegou a Caracas, o austríaco passou a observar os muitos “barrios” (favelas) com casas em autoconstrução, num relevo de “cerros”, como no Rio de Janeiro e quis dissertar sobre as causas da violência urbana de Caracas que, no final desta historia, ele experimentou na pele!
Caracas - Venezuela
Segundo a famosa “lei da atração”, o austríaco pode ter que “atraído” o assalto ao focar a conversa neste assunto por horas.
 “Concentre-se nos buracos da estrada e cairá neles.” Será que fomos vítimas da “síndrome do buraquismo”?
Ou a culpada foi a minha péssima intuição ao ter confiado numa senhorinha vendedora de doces?
Ou foi a minha inocência de não ter dado importância aos seus gestos estranhos?
Muitas foram as lições que aprendi com esta experiência.
Do que a adrenalina é capaz?
A adrenalina realmente faz emergir uma força, uma coragem e um poder excepcionais. Em segundos, ela se apossa de nossa máquina, acelera o coração, dá energia aos músculos e comanda nossas reações, palavras e gestos, num processo químico que envolve cada célula em único objetivo: sobreviver a uma ameaça. 
Você conhece alguma "señora de los dulces"?
A senhorinha dos doces não me olhou e, cabisbaixa, apontou o caminho da armadilha. Eu, sem levar em conta seus gestos duvidosos, confiei em seu visual e no tom de sua voz. Grande erro.  
Todos os gestos, expressões, olhares e apertos de mão tem um significado. 
O corpo fala. E as aparências enganam! 👀 




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